quarta-feira, 15 de agosto de 2012

AVALIAÇÃO COMPARATIVA DE DIFERENTES DESINFETANTES NA SANITIZAÇÃO DE UVA


RESUMO
Foi realizada uma avaliação comparativa da eficiência do hipoclorito de sódio 200ppm, dicloroisocianurato de sódio 200ppm, ácido acético 2,0% e 4,0%, ácido peracético 80ppm e vinagre 6,0%, 25,0% e 50,0% na sanitização de uva. As amostras foram mantidas em contato com as soluções sanitizantes por 15 minutos e a eficiência dos tratamentos foi avaliada pelo número de reduções decimais na contagem padrão em placas de microrganismos aeróbios mesófilos, bolores e leveduras e coliformes totais. A contaminação inicial média das amostras foi 3,40logUFC/g de microrganismos aeróbios mesófilos, 4,25logUFC/g de bolores e leveduras, menos de 1,67logUFC/g de coliformes totais e menos de 1,00logUFC/g de E. coli, não sendo detectada a presença de Salmonella. As reduções decimais (logUFC/g) obtidas para aeróbios mesófilos, bolores e leveduras e coliformes totais foram, respectivamente: vinagre 50,0%: >2,23, >2,14 e >0,67; vinagre 25,0%: >2,14, >2,13 e >0,67; vinagre 6,0%: >1,94, >1,84 e >0,62; ácido acético 4,0%: >2,31, >2,25 e >0,67; ácido acético 2,0%: >2,20, >2,21 e >0,67; ácido peracético 80ppm: >2,18, >2,22, >0,67; hipoclorito de sódio 200ppm: >2,09, >2,00 e >0,66; dicloroisocianurato de sódio 200ppm: >2,22, >2,15 e >0,67. A análise estatística dos resultados demonstrou que todos os sanitizantes testados apresentaram eficiência semelhante ou superior ao hipoclorito de sódio 200ppm.

1. INTRODUÇÃO
As frutas são há muito conhecidas como fontes potenciais de microrganismos patogênicos, tendo sido incriminadas em surtos de toxinfecções alimentares em centenas de ocasiões, na maioria dos países do mundo. De acordo com FRANK, TAKEUSHI (1999), frutas e vegetais frescos têm sido identificados como veículos de bactérias patogênicas relevantes para a saúde pública, podendo transmitir doenças causadas por Salmonella, Shigella, Listeria monocytogenes, Yersinia enterocolitica, E. coli enteropatogênica, E. coli enterotoxigênica e E. coli enterohemorrágica (O157:H7), além de protozoários, helmintos e vírus da hepatite A.
A microbiota das frutas varia de acordo com o clima e as práticas de cultivo (ERCOLANI, 1976) e, de maneira geral, bactérias psicrotróficas como Erwinia sp e Pseudomonas sp são as que mais influenciam a qualidade dos produtos minimamente processados, pois são pectinolíticas e podem alterar facilmente o tecido vegetal.
As bactérias do grupo coliforme são bastante comuns, uma vez que originam-se do próprio solo de cultivo, porém, as linhagens de Escherichia coli não devem fazer parte da microbiota normal, se os produtos forem cultivados em solo livre de contaminação fecal, irrigados com água de boa qualidade e manipulados sob condições de boas práticas. Sob esse aspecto, são indicadores da qualidade higiênicosanitária dos processos e, encontradas em altos índices populacionais, indicam risco de veiculação de patógenos como Salmonella, Shigella, Yersinia enterocolitica, E. coli enteropatogênica, enterotoxigênica ou enterohemorrágica.
Os fungos, particularmente leveduras, também fazem parte da microbiota natural de frutas e têm sido detectados com freqüência em vegetais minimamente processados. Não são patogênicos mas muitas espécies, se presentes em grande número, podem provocar alterações nos produtos embalados, como a fermentação, que altera o sabor e o aroma característicos.
No Brasil, o conhecimento da contaminação e do risco de transmissão de doenças por vegetais frescos não é recente, tendo sido demonstrado há décadas, particularmente no Estado de São Paulo, onde há maior tradição na condução desse tipo de levantamento (GELLI et al., 1979). Por outro lado, esses produtos nunca foram alvo de uma ação prioritária dos órgãos de vigilância sanitária, porque o consumo tradicionalmente se dava no âmbito doméstico, onde a ocorrência de doenças em uma família raramente era correlacionada com outras ocorrências que pudessem ser da mesma origem.
No entanto, a partir da última epidemia de cólera no Brasil e do crescimento do consumo de alimentos servidos por restaurantes tipo fast food e por empresas de refeições coletivas, a preocupação com o risco desses produtos para a saúde pública tem aumentado, tanto por parte dos órgãos reguladores quanto por parte das empresas que preparam vegetais prontos para o consumo. Adicionalmente, a preferência crescente por frutas minimamente processadas tem acentuado os perigos de natureza microbiológica, pois muitas operações como o corte, a lavagem e o acondicionamento são feitas manualmente, elevando a probabilidade de contaminação dos produtos (FARBER, 1999).
Com a estocagem mais prolongada nos pontos de venda, em temperaturas que nem sempre são adequadas para impedir a multiplicação microbiana, encontra-se instalada uma situação de risco epidemiológico que, na prática, exige medidas de controle tão eficazes quanto às observadas para outros alimentos processados produzidos em escala industrial.
A lavagem em água corrente de boa qualidade pode reduzir em até 90% a carga microbiana dos vegetais (LEITÃO et al., 1981, FRANK, TAKEUSHI, 1999), porém, não é suficiente para manter a contaminação em níveis seguros, sendo essencial a aplicação de uma etapa de desinfecção com agentes antimicrobianos reconhecidos como GRAS (generally recognized as safe).
O cloro, principalmente o hipoclorito de sódio, é atualmente o composto mais utilizado para esse fim, porém, outros agentes como o vinagre, o ácido acético, o ácido peracético começam a despertar cada vez mais o interesse das empresas, em função das controvérsias sobre a toxicidade do cloro em alimentos. Além disso, a literatura científica tem demonstrado que, embora muito eficaz na eliminação de microrganismos em suspensão (água), o cloro não reduz mais que 2 ciclos logarítmicos a população microbiana de frutas e vegetais, nas concentrações recomendadas para essa finalidade (100-250ppm) (BEUCHAT et al., 1998).
O vinagre e o limão são há muito conhecidos como conservantes de alimentos, em função do seu alto conteúdo de ácidos orgânicos com ação antimicrobiana. O vinagre contém ácido acético em uma concentração mínima de 4% e é bastante utilizado na desinfecção de verduras e frutas em nível doméstico, diluído a 6% em água.
O peróxido do ácido acético, chamado de ácido peroxiacético ou peracético, é produzido pela reação do ácido acético com peróxido de hidrogênio, na presença de ácido sulfúrico, que tem a função de catalisador. É um composto instável, que sofre perda de 1 a 2% dos ingredientes ativos por mês, na solução a 40%, e mais da metade em 6 dias, na solução 1%. Essa taxa é bem maior do que a do peróxido de hidrogênio a 30-90%, que perde menos de 1% ao ano (BLOCK, 1991). Os produtos de decomposição são o ácido acético, o peróxido de hidrogênio e a água. O ácido peracético é atualmente um dos desinfetantes de maior aplicação na indústria de alimentos, devido à alta eficácia a frio e à grande diluição dos produtos de degradação, que não oferecem risco de toxicidade nem afetam o sabor e odor dos alimentos.
Assim, há na literatura inúmeros relatos sobre a eficácia desses agentes sobre frutas, contudo, a maioria dos estudos disponíveis foi realizada com produtos artificialmente contaminados, utilizando-se diferentes microrganismos e condições de aplicação nem sempre comparáveis. Em função disso, verificou-se a necessidade de estudos mais aprofundados da eficiência desses compostos nas condições reais de uso, trabalhando-se com produtos disponíveis no mercado e que tivessem sua microbiota natural inalterada. 
Portanto, este trabalho teve como objetivo realizar uma avaliação comparativa da eficiência de diferentes desinfetantes na sanitização de uva comercializada no mercado varejista de Campinas (SP).

2. MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Amostragem
Foram utilizadas nos testes 10 amostras de uva in natura, adquiridas no mercado varejista de Campinas (SP).

2.2 Sanitização das amostras
Inicialmente foram separadas três porções aleatórias de 100g da amostra, para determinação da contaminação inicial. Em seguida, o restante da amostra foi lavado em água corrente, para remoção do excesso de matéria orgânica e, então, dividido em 27 porções de 100g. Destas 27, foram novamente separadas 3 porções aleatórias, para determinação da ação da lavagem em água corrente sobre a microbiota presente na amostra. As demais 24 porções foram submetidas aos tratamentos de sanitização, três repetições para cada tratamento, mergulhadas separadamente, por 15 minutos, nas seguintes soluções desinfetantes: vinagre 50,0% (aproximadamente 2,0% de ácido acético), vinagre 25,0% (aproximadamente 1,0% de ácido acético), vinagre 6,0% (aproximadamente 0,24% de ácido acético), ácido acético 4,0%, ácido acético 2,0%, ácido peracético 80ppm, hipoclorito de sódio 200ppm, dicloroisocianurato de sódio 200ppm

2.3 Análise microbiológica das amostras
Foram determinadas a contagem padrão em placas de microrganismos aeróbios mesófilos, a contagem de bolores e leveduras, a contagem de coliformes totais e Escherichia coli e a presença/ausência de Salmonella, antes da lavagem em água corrente, depois da lavagem em água corrente e depois de cada tratamento de sanitização. Todas as análises foram realizadas de acordo com a metodologia descrita por VANDERZANT, SPLITTSTOESSER (1992).

2.4 Interpretação dos resultados e análise estatística
Todas as contagens obtidas foram convertidas em logaritmo e o número de reduções decimais foi calculado como a diferença entre a contagem inicial (antes da lavagem em água corrente) e a contagem final remanescente nas amostras após os tratamentos. Na avaliação estatística foi feita a análise de variância e o teste de Tukey, com comparação em ordem decrescente das médias das contagens microbianas obtidas no final do processo de sanitização.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Contaminação inicial das amostras analisadas
A contaminação microbiana inicial média das amostras de uva analisadas (Tabela 1) foi de 3,40logUFC/g para microrganismos aeróbios mesófilos, 4,25logUFC/g para bolores e leveduras e menos de 1,67logUFC/g para coliformes totais. A contagem de E. coli foi <1,00 logUFC/g em todas as amostras analisadas, que também não apresentaram contaminação por Salmonella. Portanto, este resultado encontra-se de acordo com o limite estabelecido pela legislação brasileira (BRASIL, 2001), que determina ausência de Salmonella em 25g de amostra. Os valores encontrados para aeróbios mesófilos e bolores e leveduras, embora não regulamentados por lei no Brasil, encontram-se dentro dos limites normais relatados por BRACKETT (1994) que é de 4,0logUFC/g para microrganismos aeróbios mesófilos e 6,0logUFC/g para bolores e leveduras.
As uvas apresentaram contagem total de aeróbios mesófilos menor do que a contagem de bolores e leveduras, porém, em ambos os casos a contaminação se mostrou relativamente baixa, em comparação com outras frutas e com hortaliças. NASCIMENTO (2002), por exemplo, analisou amostras de morangos, alface repolho, observando contagem total de aeróbios mesófilos na faixa de 5,95 a 6,66logUFC/g e contagem de bolores e leveduras na faixa de 5,55 a 6,00logUFC/g. Esse menor grau de contaminação das uvas pode ser atribuído à técnica de cultivo distante do solo, de onde origina-se boa parte da microbiota natural dos produtos vegetais, incluindo-se a maioria das bactérias aeróbias mesófilas esporogênicas. A presença de ácidos orgânicos na composição também auxilia na redução da carga contaminante, porque apresentam ação antimicrobiana contra bactérias sensíveis ao pH, como o grupo dos coliformes, por exemplo. GUNES et al. (1997) já haviam mencionado que o tipo de microbiota de frutas e vegetais depende do pH, sendo as frutas mais susceptíveis aos fungos e às bactérias ácido resistentes.

3.2 Efeito dos tratamentos de desinfecção
Antes da desinfecção, a lavagem em água corrente promoveu redução média de 1,03logUFC/g na população de aeróbios mesófilos, 0,86logUFC/g na contagem de bolores e leveduras e >0,28logUFC/g na contagem de coliformes totais.
Esses resultados são similares aos relatados por LEITÃO et al. (1981) e FRANK, TAKEUSHI (1999), que também não observaram mais que uma redução decimal nas contagens microbianas de vegetais submetidos ao enxágüe em água corrente.
Os dados da Tabela 2 mostram a ação dos sanitizantes sobre a microbiota presente nas amostras de uva, submetidas aos tratamentos após a lavagem em água corrente.

TABELA 1. Contaminação microbiana inicial de vários grupos de microrganismos em amostras de uva adquiridas no comércio varejista de Campinas (SP) em 2001.

*Média de 3 repetições

TABELA 2.Efeito dos tratamentos de sanitização sobre a microbiota presente em amostras de uva, após a lavagem em água corrente.


*Contagem microbiana média em 10 amostras de produto
**Desvio-padrão
***Dados seguidos de letras diferentes são significativamente diferentes entre si (p<0,05)
****O cálculo das reduções decimais foi feito pela diferença [contagem antes da lavagem em água corrente - contagem final].
Os melhores resultados foram obtidos utilizando REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS o ácido acético a 4,0% que, para microrganismos aeróbios mesófilos apresentou redução 0,22logUFC/g superior ao hipoclorito de sódio 200ppm e 0,37logUFC/ g superior ao vinagre 6,0% que apresentou a menor redução. Com relação a bolores e leveduras, o ácido acético 4,0% obteve redução 0,25logUFC/g superior ao hipoclorito de sódio 200ppm e 0,41logUFC/g superior ao vinagre 6,0%. Quanto aos coliformes totais, devido à baixa contaminação inicial, todos os sanitizantes testados apresentaram desempenho semelhante, com reduções superiores a 0,62logUFC/g.
Todos os tratamentos à base de ácido acético apresentaram eficiência semelhante ou superior ao hipoclorito de sódio. YU et al. (2001) observaram semelhança na redução de E. coli O157:H7 artificialmente inoculada em morangos, utilizando ácido acético 5,0% e hipoclorito de sódio 200ppm.
Quanto à eficiência de atuação dos compostos de cloro testados, ambos (dicloroisocianurato de sódio 200ppm e hipoclorito de sódio 200ppm) apresentaram desempenho similar, discordando de ROCHA et al. (2000) que obtiveram maior eficiência com o dicloroisocianurato de sódio na eliminação de E. coli O157:H7 artificialmente inoculada em vegetais.
Com relação à comparação do desempenho do ácido peracético ao do hipoclorito de sódio, não foi observada diferença significativa, concordando com os resultados apresentados por WISNIEWSKY et al. (2000). Contudo, outros autores demonstraram a superioridade do ácido peracético frente ao hipoclorito de sódio, como FATEMI, FRANK (1999), que relataram melhor desempenho, na presença de matéria orgânica, do ácido peracético 160ppm em relação ao hipoclorito de sódio 160ppm. Por outro lado, ROSSONI, GAYLARDE (2000) notaram melhor desempenho do hipoclorito de sódio 200ppm frente ao ácido peracético 1000ppm na eliminação de E. coli, Pseudomonas fluorescens e Staphylococcus aureus inoculadas artificialmente em superfície de aço inoxidável.
Portanto, com base na atividade antimicrobiana, todos os sanitizantes testados apresentaram desempenho similar ou superior ao hipoclorito de sódio 200ppm, podendo ser utilizados como alternativa na sanitização de frutas frescas. Para isso, no entanto, são necessários estudos para avaliar o efeito sobre a qualidade sensorial dos produtos submetidos a esses tratamentos, além de um levantamento de custos para avaliar a viabilidade financeira dessas opções.

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